Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do REsp n.º 2.128.507, julgou uma questão relevante, definindo que não é possível no âmbito de duas execuções fiscais estaduais transferir a penhora de um processo de execução extinto por quitação de dívida para outro processo executivo, ainda que envolva as mesmas partes.
Vamos abordar essa decisão de forma clara e acessível, para que todos, mesmo sem conhecimentos jurídicos profundos, possam compreender o que está em jogo.
CONTEXTO DA DECISÃO
Em uma execução fiscal movida pela Fazenda Pública do Estado do Tocantins contra uma empresa de telefonia em recuperação judicial, valores foram penhorados para garantir o pagamento da dívida.
Após a empresa quitar o débito, a execução foi extinta, porém, a Fazenda Pública solicitou que a penhora fosse transferida para outro processo de execução fiscal, que também envolvia a referida empresa.
O QUE O STJ DECIDIU?
A 1ª Turma do STJ, ao julgar o recurso, negou a possibilidade de tal transferência de penhora, decidindo que após a quitação da dívida que deu origem à penhora, o bem ou valor penhorado deve ser devolvido ao devedor, não podendo ser transferido para outro processo executivo, ainda que envolvam as mesmas partes.
RAZÕES DA DECISÃO
O relator do caso, ministro Gurgel de Faria, destacou que tanto o Código de Processo Civil (CPC) quanto a Lei de Execução Fiscal (LEF) não permitem a transferência de penhora após a extinção de uma execução fiscal.
O artigo 860 do Código de Processo Civil de 2015 não se aplica ao caso, pois trata da penhora no rosto dos autos, que ocorre quando a penhora recai sobre um direito que o credor está judicialmente perseguindo contra um terceiro.
Para o ministro, essa situação é diferente da discutida nos autos do REsp n.º 2.128.507, onde se discute apenas se a garantia de uma execução fiscal já encerrada por pagamento pode ser transferida para outra execução contra o mesmo devedor, ou se deve ser liberada de imediato.
O CPC, em seu artigo 789, estabelece que o devedor responde com seus bens presentes e futuros pelas suas obrigações, mas isso não significa que, uma vez quitada a dívida em um processo, o bem penhorado possa ser automaticamente utilizado para garantir outra ação executiva.
Ele destacou que, de acordo com o artigo 28 da Lei de Execução Fiscal, o juiz pode agrupar processos contra o mesmo devedor para compartilhar a garantia, entretanto, o caso atual trata de uma ação independente.
Assim, o depósito deve ser retornado ao devedor ou entregue à Fazenda Pública após a decisão s tornar definitiva, de acordo com o artigo 32, parágrafo 2º, da Lei da Execução Fiscal.
No entanto, observa o ministro que a única exceção a essa regra se aplica à União, suas autarquias e fundações, na forma prevista no artigo 53, §2º, da Lei 8.212/1991, que prevê a subsistência da penhora após a sentença extintiva em face do pagamento para garantir outra ação executiva.
Logo, para Estados e Municípios, não há essa possibilidade de transferência.
IMPORTÂNCIA DA AUTONOMIA PROCESSUAL
Um ponto central da decisão foi o reconhecimento da autonomia dos processos executivos. Cada execução fiscal é um processo independente e a penhora realizada em um não pode ser “aproveitada” para outro.
Mesmo que haja múltiplas ações contra o mesmo devedor, os processos não podem ser automaticamente unificados para compartilhar garantias, salvo se houver pedido expresso e justificativa específica para tal.
IMPACTO PRÁTICO
Essa decisão tem grande impacto, especialmente para empresas que lidam com diversas execuções fiscais em diferentes esferas do governo.
Ao evitar a transferência de penhoras entre processos, o STJ protege o devedor de uma extensão indevida das garantias penhoradas, assegurando que, uma vez quitada a dívida, o bem ou valor penhorado deve ser liberado.
Além disso, essa decisão reforça a necessidade de uma abordagem criteriosa por parte das Fazendas Públicas ao tentar reutilizar garantias processuais de um processo para outro, sem a devida fundamentação legal.
CONCLUSÃO
A decisão do STJ é clara: não há base legal para que penhoras de execuções fiscais estaduais e municipais sejam transferidas para garantir outros processos executivos.
O princípio da separação dos poderes impede que o Judiciário atue como legislador positivo, criando normas onde elas não existem.
Essa decisão resguarda os direitos dos devedores e garante que o processo de execução fiscal siga um rito justo e previsível.
Aos olhos de empresas e cidadãos, essa decisão reforça a importância de estar atento às nuances do processo executivo fiscal e, principalmente, de contar com uma defesa bem estruturada quando se deparam com múltiplas execuções.
O SHIBATA ADVOGADOS se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos a respeito do tema.