Porque o regime de contratação integrada exige mais do que boas intenções e o que os pequenos entes federativos precisam saber antes de adotá-lo.
INTRODUÇÃO
A inclusão do regime de contratação integrada na Lei nº 14.133/21 parece ser uma alternativa promissora para modernizar a execução de obras públicas.
Este tipo de contratação transfere para o contratado a responsabilidade pela elaboração dos projetos básico e executivo, além da execução completa do objeto, o que, à primeira vista, parece aliviar a carga técnica da Administração Pública.
Mas será que essa modalidade é adequada para obras de pequeno porte, especialmente quando licitadas por pequenos e médios municípios que, muitas vezes, não dispõem de equipe técnica qualificada, estrutura organizacional robusta ou recursos suficientes para cumprir as exigências desse regime?
A recente Nota Técnica IBRAOP nº 02/2025[1] traz importantes reflexões sobre o tema e acende um sinal de alerta a respeito da adoção desse regime de contratação.
A SEDUÇÃO DA SOLUÇÃO “PRONTA”: O RISCO DA TERCEIRIZAÇÃO DO DEVER DE PLANEJAR
É comum ouvir que a contratação integrada “resolve tudo”: o projeto básico, o projeto executivo, os problemas de engenharia, os atrasos e até os aditivos, no entanto, como bem adverte o IBRAOP na recém-lançada Nota Técnica nº 02/2025, a adoção desse regime não exime o órgão público de planejar com responsabilidade.
Ao contrário, ela aumenta a necessidade de capacidade técnica interna, especialmente na fase de planejamento.
O ETP (Estudo Técnico Preliminar) — peça obrigatória — deve ser robusto, claro e conter a motivação técnica da escolha pelo regime integrado, demonstrando que há soluções diversas possíveis no mercado que justificam a delegação dos projetos à contratada.
Além disso, a contratação integrada exige a elaboração de um Anteprojeto que contenha os elementos previstos em lei e que seja o mais detalhado possível, sendo este fundamental para viabilizar a subsequente elaboração de um projeto básico completado, adequado e nos termos da lei.
OS DESAFIOS OCULTOS PARA PEQUENOS E MÉDIOS MUNICÍPIOS
De acordo com os itens 4.1 e 4.2 da Nota Técnica, a Administração deve ser capaz de:
- Elaborar um Estudo Técnico Preliminar (ETP) claro, robusto e adequado ao objeto que será licitado, que contemple (i) a análise das alternativas possíveis, inclusive quanto às modalidades de contratação; (ii) o uso de instrumentos auxiliares e (iii) contenha justificativa técnica e econômica da solução adotada;
- Produzir um Anteprojeto detalhado, com todas as condicionantes mínimas do art. 6º, XXIV da Lei 14.133/21;
- Realizar um orçamento sintético confiável balizado nos sistemas de custos Sinapi e Sicro. Quando não for possível, o agente licitante deverá utilizar a metodologia expedita ou paramétrica e de avaliação aproximada baseada em outras contratações similares;
- Definir com precisão as obrigações de meio e de resultado;
- Avaliar criticamente os projetos e orçamentos apresentados pela contratada;
- Fiscalizar e verificar se a solução proposta realmente atende às necessidades públicas.
Em outras palavras: A CONTRATAÇÃO INTEGRADA NÃO TRANSFERE O DEVER DE PLANEJAR DO ÓRGÃO LICITANTE. Ela exige que o ente contratante domine o objeto licitado, compreenda suas variáveis e acompanhe sua execução com rigor técnico.
A pergunta que fica é: é realista esperar que Municípios com quadro técnico reduzido, sem engenheiros próprios, e sem equipe orçamentária capacitada consigam cumprir esse papel?
A ARMADILHA DA ILUSÃO: QUANDO A “FACILIDADE” CUSTA CARO
O que se vê na prática é que alguns Municípios têm usado a contratação integrada como atalho para dispensar a elaboração de projeto básico, adotando editais falhos, lançados com Anteprojetos genéricos e Estudos Técnicos Preliminares incompletos, muitas vezes copiados de outras licitações, sem análise prévia do mercado ou definição precisa do que se pretende contratar.
Esse cenário representa risco jurídico e financeiro considerável, tanto para o ente público quanto para os agentes envolvidos, uma vez que:
- Aumenta a probabilidade de aditivos contratuais injustificáveis;
- Prejudica a competitividade da licitação, favorecendo grandes empresas ou consórcios com maior capacidade técnica;
- Destrói o princípio da economicidade;
- Pode levar à responsabilização dos gestores por erro grosseiro, conforme alertado no item 4.2 da Nota Técnica IBRAOP nº 02/2025.
EXISTE ALTERNATIVA? SIM: A CONTRATAÇÃO SEMI-INTEGRADA
O IBRAOP sugere que os entes públicos considerem a contratação semi-integrada, prevista no art. 46, VI, da Lei nº 14.133/21, como alternativa viável.
Nesse modelo, a Administração ainda elabora o projeto básico (o que delimita com mais segurança o objeto a ser contratado), mas permite que o contratado desenvolva o projeto executivo e inove nas obrigações de resultado.
Essa abordagem reduz riscos, mantém parte do controle nas mãos da Administração, porém não exige a administração pública de ter o mínimo de maturidade técnica institucional.
CONCLUSÃO: CAUTELA ANTES DA EMPOLGAÇÃO
A contratação integrada não é panaceia, ela pode ser muito eficaz em contratações complexas, inovadoras e de grande escala, desde que a Administração tenha estrutura e equipe técnica apta a lidar com os desafios do modelo.
Para pequenos e médios Municípios, o uso indiscriminado dessa modalidade, especialmente em obras simples ou de pequeno porte, representa mais um risco do que uma vantagem.
Planejamento não se terceiriza e a responsabilidade pela boa contratação continua e sempre continuará sendo um dever do Poder Público.
O SHIBATA ADVOGADOS se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos a respeito do tema.
[1] https://www.ibraop.org.br/blog/2025/07/04/nota-tecnica-do-ibraop-alerta-sobre-os-riscos-de-uma-adocao-indevida-do-regime-de-contratacao-integrada-em-obras-publicas/