A contratação de profissionais como pessoas jurídicas (PJ) é uma prática cada vez mais utilizada pelas empresas para dar maior flexibilidade às relações de trabalho e reduzir encargos, contudo, quando não observadas as características que diferenciam um prestador autônomo de um empregado, a chamada “pejotização” pode ser considerada fraudulenta, gerando graves riscos trabalhistas.
PEJOTIZAÇÃO: QUANDO SE CONFIGURA A FRAUDE?
A legislação brasileira, especialmente o artigo 3º da CLT, estabelece os seguintes requisitos para a configuração do vínculo de emprego:
- Pessoalidade – o serviço é prestado pessoalmente pelo representante legal da empresa contratada e não pela empresa;
- Subordinação – o trabalhador se submete a ordens e fiscalização da empresa tomadora dos serviços (contratante);
- Onerosidade – existe pagamento habitual pelos serviços prestados todos os meses;
- Habitualidade – trabalho contínuo, prestado todos os meses pelo PJ (não esporádico).
Quando esses elementos estão presentes na prática, ainda que a formalização ocorra por meio de um contrato de prestação de serviços entre empresas, há o risco de reconhecimento judicial do vínculo empregatício.
RISCOS TRABALHISTAS DA PEJOTIZAÇÃO INDEVIDA
A fraude na contratação por meio de PJ expõe a empresa a:
- Condenações ao pagamento de verbas trabalhistas (férias, 13º salário, FGTS, horas extras, multas, entre outros);
- Responsabilização solidária em caso de terceirização ilícita;
- Fiscalizações e autuações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE);
- Ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT);
- Danos à reputação corporativa, impactando a imagem e a governança da empresa.
O QUE DIZ A JURISPRUDÊNCIA ATUAL?
A jurisprudência trabalhista vem reconhecendo o direito ao vínculo empregatício sempre que a pejotização é usada como forma de mascarar uma relação de emprego.
Embora a terceirização tenha sido ampliada e autorizada pela Lei 13.429/2017 e pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), o TST e os TRTs continuam firmes no entendimento de que a existência dos requisitos do vínculo — mesmo com contrato de prestação de serviços (PJ) — enseja o reconhecimento da relação de emprego.
A Suprema Corte já havia reconhecido a constitucionalidade da terceirização ampla, inclusive da atividade-fim da tomadora de serviços, na ADPF 324 e no RE 958.252, em sede de repercussão geral, contudo, o STF não autorizou a fraude trabalhista, nem a dispensa dos requisitos mínimos para a proteção do trabalhador.
TEMA 1389 DO STF: O QUE ESTÁ EM JOGO
No recente julgamento do ARE 1.532.603 (Tema 1389), o Ministro Gilmar Mendes, relator do caso, reconheceu a repercussão geral e determinou a suspensão nacional dos processos que discutem:
- A competência da Justiça do Trabalho para julgar ações envolvendo suspeita de fraude na contratação de PJ ou autônomo;
- A licitude da contratação de PJ ou autônomo à luz da liberdade de organização produtiva reconhecida pelo STF;
- O ônus da prova: quem deve comprovar a fraude — o trabalhador ou a empresa?
Segundo o Ministro Gilmar Mendes:
“A controvérsia sobre esses temas tem gerado um aumento expressivo do volume de processos que tem chegado ao STF, especialmente por intermédio de reclamações constitucionais.
Como já destaquei na manifestação sobre a existência de repercussão geral, parcela significativa das reclamações em tramitação nesta Corte foram ajuizadas contra decisões da Justiça do Trabalho que, em maior ou menor grau, restringiam a liberdade de organização produtiva. Esse fato se deve, em grande parte, à reiterada recusa da Justiça trabalhista em aplicar a orientação desta Suprema Corte sobre o tema.
Conforme evidenciado, o descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas.
Essa situação não apenas sobrecarrega o Tribunal, mas também perpetua a incerteza entre as partes envolvidas, afetando diretamente a estabilidade do ordenamento jurídico.
Feitas essas considerações, entendo necessária e adequada a aplicação do disposto no art. 1.035, § 5º, do CPC, ao caso dos autos, para suspender o processamento de todas as ações que tramitem no território nacional e versem sobre os assuntos discutidos nestes autos.
Entendo que essa medida impedirá a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria, privilegiando o princípio da segurança jurídica e desafogando o STF, permitindo que este cumpra seu papel constitucional e aborde outras questões relevantes para a sociedade.
Ante o exposto, determino a suspensão nacional da tramitação de todos os processos que tratem das questões mencionadas nos presentes autos, relacionadas ao Tema 1.389 da repercussão geral, até julgamento definitivo do recurso extraordinário.”
O STF buscará, portanto, dar unidade e segurança jurídica ao tema, disciplinando:
- Se é legítima a contratação via PJ quando respeitada a autonomia real;
- Como deve ser provada a alegação de fraude, ou seja, quem cabe provar a existência da fraude (a quem caberá o ônus da prova);
- Em que casos a Justiça do Trabalho pode ou não desconstituir contratos civis/comerciais.
Enquanto o mérito não é julgado, todos os processos sobre o tema estão suspensos em todo o país.
ORIENTAÇÕES PRÁTICAS PARA AS EMPRESAS
Diante desse cenário, é fundamental que as empresas tomem cuidado redobrado ao contratar prestadores de serviço via PJ. Algumas medidas recomendadas:
- Garantir autonomia efetiva do prestador de serviços (sem ordens diretas, metas internas ou controle de jornada);
- Permitir a prestação simultânea de serviços a terceiros;
- Elaborar contratos de prestação de serviços robustos, claros e individualizados;
- Não integrar o PJ às estruturas internas da empresa como se fosse empregado;
- Documentar a relação de forma a demonstrar que não há subordinação nem pessoalidade.
CONCLUSÃO
A decisão do STF no Tema 1389 pode modificar profundamente a dinâmica de contratações via PJ no Brasil.
As empresas que atualmente fazem uso dessa modalidade precisam reavaliar suas práticas e adotar uma postura de gestão preventiva, a fim de evitar o reconhecimento de vínculos trabalhistas e suas consequências financeiras e reputacionais.
A correta estruturação contratual e a efetiva autonomia na prestação de serviços são, hoje, elementos essenciais para a segurança jurídica das relações empresariais.
O SHIBATA ADVOGADOS se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos a respeito do tema e na orientação mais adequada à contratação do prestador de serviços.