POR QUE NÃO DÁ MAIS PARA ADIAR A ADOÇÃO DE UM PROGRAMA DE INTEGRIDADE PELA SUA CONSTRUTORA

A Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) tornou TODAS[1] as pessoas jurídicas objetivamente responsáveis por atos lesivos contra a Administração e, na dosimetria da pena, prevê a existência e aplicação de um PROGRAMA DE INTEGRIDADE como fator de atenuação (critério de cálculo da multa)[2], ou seja, quem tem um Compliance funcionando de verdade pode reduzir o impacto sancionatório.

A Lei nº 12.846/2013 foi um marco no combate à corrupção no Brasil e fortaleceu a importância dos programas de integridade corporativa, tendo como objetivo principal responsabilizar empresas por corrupção e incentivar a adoção de práticas de integridade e compliance para evitar esses atos.

E para fortalecer ainda mais esse caminho, a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Públicos) deu o passo seguinte, ao estabelecer:

  • A obrigatoriedade de implantar programa de integridade nas contratações de grande vulto: o edital deve prever que o vencedor implante em até 6 meses da assinatura do contrato o programa de integridade[3], na forma prevista no regulamento (Decreto Federal nº 12.304/2024 e agora, também, no Decreto Estadual de São Paulo nº 69.861/2025);
  • Critério de desempate: de acordo com o art. 60 da Lei nº 14.133/2021, em caso de empate entre duas ou mais propostas, o licitante que tiver implantado um programa de integridade efetivo terá preferência a aquele que não tiver;
  • Reabilitação: para certas sanções, a Lei nº 14.133/2021 prevê a possibilidade de reabilitação e exige, para tanto, a implantação/aperfeiçoamento do programa de integridade como condição de reabilitação.[4]

EXIGÊNCIA APENAS PARA OBRAS DE GRANDE VULTO. O QUE É “GRANDE VULTO” HOJE?

A própria Lei nº 14.133/2021 define “grande vulto” como obras, serviços e fornecimentos cujo valor estimado supere R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais). É importante lembrar que esse valor é atualizado por decreto, tendo sido atualizado em 31/12/2024, pelo Decreto nº 12.343/2024, que elevou o teto de “grande vulto” para R$ 250.902.323,87 (duzentos e cinquenta milhões, novecentos e dois mil, trezentos e vinte e três reais e oitenta e sete centavos).

Ou seja, qualquer tipo de obra, serviço ou fornecimento com valor igual ou superior a esse, exige a implantação de um programa de integridade, então, fica a pergunta, será que apenas as grandes construtoras precisam ter um programa de integridade implantado?

É importante lembrar, que as contratações privadas têm exigido cada vez mais a implantação de um Complaince devidamente estruturado, independentemente do valor de obra, serviço ou fornecimento a ser contratado, ou seja, a implantação de um programa de integridade não é mais apenas uma exigência regulatória, mas uma condição de mercado para a sua contratação ou não.

REGULAMENTOS FEDERAL E ESTADUAL – SP (DECRETO Nº 12.304/2024 E DECRETO ESTADUAL SP Nº 69.861/2025)

No final do ano de 2024, foi publicado o Decreto Federal nº 12.304/2024, que regulamenta o art. 25, § 4º, o art. 60, caput, inciso IV, e o art. 163, parágrafo único, da Lei nº 14.133/2021, para dispor sobre os parâmetros e a avaliação dos programas de integridade, nas hipóteses de contratação de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, de desempate de propostas e de reabilitação de licitante ou contratado, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

E, agora, no dia 12/09/2025, foi publicado o Decreto Estadual SP nº 69.861/2025, que disciplina para o Estado de São Paulo (Administração direta e autárquica), as regras de avaliação de programas de integridade de que tratam os artigos 25, § 4°, 60, inciso IV, 156, § 1°, inciso V, e 163, parágrafo único, da Lei n° 14.133/21, detalhando parâmetros, documentos comprobatórios e fluxo com a Controladoria Geral do Estado de São Paulo (CGE/SP).

Parâmetros de avaliação dos Programas de Integridade

Ambos os decretos visam um programa vivo e proporcional ao risco, olhando, entre outros aspectos, para:

(i)               “tom do topo” e governança do compliance;

(ii)             gestão de riscos;

(iii)            políticas e procedimentos (inclusive para terceiros/subcontratados);

(iv)            treinamentos periódicos;

(v)             canal de denúncias com proteção ao denunciante;

(vi)            investigação e medidas disciplinares;

(vii)          registros contábeis fidedignos;

(viii)         prevenção a fraudes na licitação e na execução contratual.

Registro e comprovação documental

Os decretos pedem um conjunto robusto de evidências, com relatórios estruturados (perfil e conformidade/funcionamento), estatísticas do canal, provas de treinamento, due dilligence de terceiros, fluxos e segregação em medições, aditivos e ordens de mudança, tudo alinhado ao risco da obra.

Prazos e consequências

  • Prazo de Implantação: 6 meses contados da assinatura do contrato (para obras, serviços e fornecimentos de “grande vulto”). Em São Paulo, inclusive há prazos internos para comunicação quando o contrato ultrapassa o limite por aditivo[5], ou seja, ainda que o seu contrato seja em valor inferior a R$ 250.902.323,87, se por meio de Termo Aditivo ele superar esse valor, você terá que implantar o programa de integridade em 6 meses a contar do Aditivo;
  • Avaliação, pontuação e validade: o programa de integridade será avaliado periodicamente com pontuação, tendo validade máxima de 24 meses, sendo possível a exigência de complementar documentos, mediante nova avaliação.
  • Sanções: a não comprovação/ineficácia pode levar a multas contratuais (Lei nº 14.133/2021) e a outras medidas, tais como retenção de pagamentos, desconto em garantia, entre outros, além de risco reputacional e reflexos na reabilitação.

COMPARATIVO OBJETIVO ENTRE O DECRETO FEDERAL X SÃO PAULO: O QUE MUDA?

Principais diferenças entre o regulamento federal e o estadual de São Paulo:

Âmbito e órgão avaliador

  • Federal (Dec. 12.304/2024): aplica-se à Administração Pública Federal; diretrizes e avaliação no âmbito federal;
  • SP (Dec. 69.861/2025): aplica-se à Administração direta e autárquica estadual; a avaliação é feita pela CGE/SP, no âmbito da Subsecretaria de Integridade Pública e Privada.

Documentos de comprovação

  • Federal (Dec. 12.304/2024): parâmetros, evidências e fluxo próprios; exige dados operacionais do programa (treinamento, canal, investigações) e rastreabilidade na execução contratual;
  • SP (Dec. 69.861/2025): estrutura dois relatórios padronizados (p.ex., Relatório de Perfil e Relatório de Conformidade) com modelos a serem divulgados pela CGE/SP.

Consórcios

  • SP (Dec. 69.861/2025): exige que cada consorciada deve possuir um programa próprio; não basta só a líder. (Boa prática também em âmbito federal.)

Prazos, pontuação e reavaliação

  • Federal e SP: adotam lógica de pontuação e possibilidade de complementação/reavaliação; validades periódicas (ex.: máximo de 24 meses).

Critério de desempate e reabilitação

  • Ambos se ancoram na Lei 14.133/2021: desempate (art. 60, IV) e reabilitação condicionada ao programa (art. 163, par. único).

Certificações de integridade

  • SP (Dec. 69.861/2025): admite certificação reconhecida pela CGE/SP como facilitadora da avaliação (com diligências adicionais se necessário).

NÃO É SÓ UMA EXIGÊNCIA REGULÁRIA, TEM BENEFÍCIOS ESTRATÉGICOS IMEDIATOS

  • Maior Competitividade: pode decidir empates (art. 60, IV, Lei nº 14.133/2021), aumento do score nas contratações privadas, efeito reputacional e à imagem da empresa;
  • Gestão de Risco Contratual: adoção de trilhas de decisão e prova de boa-fé em medições, aditivos e controvérsias;
  • Direito à Reabilitação: em certos casos, sem programa de integridade não há reabilitação (art. 163, par. Único, da Lei nº 14.133/2021).
  • Mitigação sancionatória: quando o programa é efetivo, não “de papel”, tanto a Lei nº 12.846/2013, quanto a Lei nº 14.133/2021 preveem o programa como forma de mitigação das sanções previstas na legislação.

CONCLUSÃO

Para quem atua em infraestrutura, Compliance não é só regulatório — é estratégia contratual.

A Lei nº 12.846/2013 recompensa programas efetivos, além disso, a Lei nº 14.133/2021 passou a exigir a implantação em obras, serviços e fornecimentos de “grande vulto”, transformando integridade em barreira de entrada, critério de desempate e condição de reabilitação.

Os Decretos nº 12.304/2024 (Federal) e nº 69.861/2025 (SP) detalham como implantar, comprovar e renovar o programa de integridade, focando em riscos de obra, cadeia de terceiros e execução contratual.

Para as Pequenas e Médias Construtoras, um programa proporcional, objetivo e bem documentado é, hoje, um diferencial competitivo e um seguro jurídico.

Não tem mais como protelar a implantação de um programa de integridade na sua construtora, sob pena de você perder competitividade e oportunidades de crescimento.

O SHIBATA ADVOGADOS se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos a respeito do tema.


[1] O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.846/2013 prevê que “aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.”

[2] De acordo com o inciso VIII do art. 7º da Lei nº 12.846/2013, serão levados em consideração na aplicação das sanções a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.

[3] Está previsto no § 4º do art. 25 da Lei nº 14.133/2021 que “nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.”

[4] É o que está previsto no parágrafo único do art. 163 da Lei nº 14.133/2021: ”a sanção pelas infrações previstas nos incisos VIII e XII do caput do art. 155 desta Lei exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável.”

[5] Vide o §3° – do artigo 10 do Decreto Estadual SP nº 69.861/2025: “Caso o limite de que trata o inciso II do artigo 2° seja superado por meio de termo aditivo, deverá ser prevista a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo contratado no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do respectivo instrumento.”

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