INTRODUÇÃO
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao julgar o Recurso Especial nº 2.175.073/PR, firmou o seguinte entendimento: a indisponibilidade do bem de família – apesar de impenhorável – é juridicamente possível nas execuções civis, desde que adotada como medida cautelar atípica, destinada a evitar fraude à execução e coagir legitimamente o devedor ao adimplemento.
Trata-se de precedente que, embora não autorize a penhora ou a expropriação do bem protegido pela Lei nº 8.009/90, permite sua inclusão na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), informando terceiros sobre a existência da dívida e impedindo atos de disposição patrimonial que possam frustrar a execução.
A DISTINÇÃO ESSENCIAL ENTRE IMPENHORABILIDADE E INDISPONIBILIDADE
A Lei nº 8.009/90 confere ao bem de família proteção absoluta contra a penhora, salvo hipóteses excepcionais previstas em lei.
Essa é uma garantia constitucionalmente orientada, destinada a resguardar a moradia e a dignidade da entidade familiar.
Contudo, a 3ª Turma destacou que há diferença ontológica entre:
- Penhorar → ato de apreensão voltado à expropriação;
- Tornar indisponível → ato cautelar que apenas impede a alienação, preservando integralmente o direito de uso e fruição.
A impenhorabilidade protege contra atos expropriatórios, mas não impede a adoção de medidas jurídicas que evitem a dilapidação patrimonial fraudulenta.
A ministra Nancy Andrighi ressaltou exatamente esse ponto, afirmando que a indisponibilidade não fere o núcleo da proteção do bem de família, pois seu objetivo não é retirar a propriedade da família, mas evitar a circulação irregular desse patrimônio.
BASE LEGAL E SISTEMÁTICA – O PAPEL DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS
O art. 139, IV, do CPC, autoriza o magistrado a utilizar “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial”.
A Turma do STJ destacou que:
- A indisponibilidade é medida cautelar atípica;
- Deve ser utilizada de forma subsidiária, após esgotamento dos meios típicos;
- Tem função coercitiva, pois dá ciência pública da existência da execução
- Não prejudica o direito de moradia, preservando uso e fruição do bem, limitando-se ao direito de disposição.
O voto deixa claro que, embora o bem de família não possa ser expropriado, a restrição de alienação impede negócios que possam esvaziar a execução, evitando que o imóvel seja vendido clandestinamente para frustrar o credor.
O CASO CONCRETO – IMPENHORÁVEL, MAS INDISPONÍVEL
No caso analisado, a Cooperativa Sicredi ajuizou execução de título extrajudicial contra duas pessoas físicas e o imóvel dos executados foi reconhecido como bem de família — portanto, impenhorável.
Ainda assim, o Juízo determinou a indisponibilidade do bem, medida confirmada pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
- No Recurso Especial, os devedores sustentaram violação dos artigos 1º e 3º da Lei 8.009/90, contudo, a 3ª Turma negou provimento ao recurso, afirmando que a impenhorabilidade protege a moradia, mas não impede o registro de indisponibilidade pelo CNIB, que “coage os devedores a quitarem valores”, como destacou o acórdão.
A Turma reforçou que a indisponibilidade não equivale à expropriação e que os devedores permanecem plenamente aptos a residir no imóvel, utilizá-lo e fruí-lo.
EFEITOS PRÁTICOS PARA CREDORES E DEVEDORES
O entendimento da 3ª Turma do STJ, traz os seguintes efeitos práticos para os credores:
- os credores ganham um instrumento eficaz para impedir que o devedor venda o único imóvel residencial com o propósito de mudar-se para um local mais barato e permanecer com a diferença financeira, sem direcionar o recurso para pagamento, ainda que parcial, da dívida;
- A ordem de indisponibilidade dificulta manobras de blindagem patrimonial;
- A publicidade da restrição aumenta a segurança jurídica de terceiros e desestimula a alienação fraudulenta.
Já com relação aos devedores, referida decisão tem os seguintes aspectos práticos:
- a proteção da moradia permanece intacta;
- a tentativa de vender o imóvel “para fugir da execução” ficará inviabilizada;
- a decisão estimula o adimplemento voluntário para a retirada da restrição.
CONCLUSÃO
A recente decisão da 3ª Turma do STJ marca um avanço significativo na racionalidade do sistema executivo, ao reconhecer que a:
- impenhorabilidade protege a moradia;
- impenhorabilidade não autoriza o uso estratégico do bem de família como escudo absoluto contra a execução;
- indisponibilidade, ao impedir a circulação do bem, preserva o crédito, sem violar direitos fundamentais.
O acórdão representa um ponto de inflexão jurisprudencial, conciliando a proteção constitucional da família com a necessidade de efetividade da jurisdição e proteção do credor.
Mais do que permitir nova forma de coerção, o precedente reafirma que não há incompatibilidade entre proteção da moradia e combate à fraude patrimonial, harmonizando princípios constitucionais fundamentais.
Em síntese, o bem de família continua impenhorável, mas não intocável.
O SHIBATA ADVOGADOS se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos a respeito do tema.