Em uma decisão de grande relevância para o contencioso tributário nacional, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento de que a Fazenda Pública não pode substituir ou emendar a Certidão de Dívida Ativa (CDA) com o objetivo de incluir, complementar ou modificar o fundamento legal do crédito tributário.
O julgamento, realizado sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 2.194.706, 2.194.708 e 2.194.734), vincula todos os tribunais do país e representa uma vitória expressiva para os contribuintes, sobretudo aqueles que enfrentam execuções fiscais fundadas em títulos com erros na fundamentação legal.
CONTEXTO DA DECISÃO E ALCANCE PRÁTICO
A CDA é o documento que instrumentaliza a execução fiscal, funcionando como o título executivo extrajudicial que comprova a certeza, liquidez e exigibilidade do crédito tributário, uma vez que possui todos os elementos de certeza, liquidez e exigibilidade do Termo de Inscrição da Dívida Ativa (art. 2º, §§5º e 6º, da Lei nº 6.830/1980).
Por essa razão, qualquer erro que comprometa esses elementos essenciais — especialmente quanto ao fundamento legal da cobrança — compromete a própria validade da inscrição em dívida ativa.
No julgamento, o relator ministro Gurgel de Faria destacou que a indicação incorreta do fundamento legal não se trata de mero vício formal, mas de deficiência substancial no lançamento tributário.
Segundo o ministro, “a deficiência na indicação do fundamento legal da exação no bojo da CDA (…) espelha deficiência no próprio ato de inscrição de dívida ou do lançamento que lhe deu origem, não se configurando como simples erro formal sujeito a correção por mera substituição do título executivo”.
Assim, qualquer tentativa de correção desse tipo extrapola o permitido pela Súmula 392 do STJ, que apenas admite emendas formais ou materiais antes da sentença nos embargos à execução, nos termos do §8º do art. 2º da Lei nº 6.830/80 — como erros de digitação, cálculos ou identificação do contribuinte.
FUNDAMENTOS JURÍDICOS E REPERCUSSÕES
A tese firmada pelo STJ estabelece que:
“Não é possível à Fazenda Pública, ainda que antes da prolação da sentença de embargos, substituir ou emendar a CDA para incluir, complementar ou modificar o fundamento legal do crédito tributário.”
Esse entendimento reforça o papel da CDA como ato de controle de legalidade da constituição do crédito tributário (art. 2º, §3º, da Lei nº 6.830/1980).
Quando o título é emitido com base em fundamento legal incorreto, ele se torna nulo, impondo à fazenda a necessidade de refazer o lançamento e reinscrever o débito — o que, na prática, pode ser inviável em razão do prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN.
Nos casos analisados, por exemplo, houve CDAs de municípios catarinenses (Jaguaruna, Itapoá e Garopaba) que indicavam o tributo errado (ISSQN em vez de IPTU) ou faziam referência genérica ao Código Tributário Municipal, sem especificar o dispositivo legal aplicável.
Como o prazo decadencial já havia transcorrido, a consequência inevitável foi a extinção da dívida, por nulidade insanável do título executivo.
IMPACTOS PARA CONTRIBUINTES E ENTES FEDERATIVOS
Para os contribuintes, a decisão representa um importante reforço de segurança jurídica e previsibilidade, especialmente diante da prática recorrente de execuções baseadas em CDAs imprecisas ou genéricas, que dificultam o exercício do contraditório e da ampla defesa.
A partir de agora, qualquer execução fundada em título que não indique com precisão o fundamento legal da cobrança poderá ser anulada, com extinção do débito se o prazo de lançamento estiver prescrito.
Por outro lado, para os entes federativos, em especial municípios de menor porte, que ainda operam com sistemas pouco estruturados de cobrança da dívida ativa, o precedente traz desafios operacionais significativos.
Será imprescindível aprimorar os procedimentos de inscrição e revisão das CDAs, evitando que erros de fundamentação inviabilizem a cobrança judicial de créditos legítimos.
CONCLUSÃO
A decisão do STJ reafirma a importância da rigidez técnica na constituição do crédito tributário e na elaboração da CDA, documento que materializa o poder de coerção do Estado.
O Tribunal, ao vedar a substituição da CDA para correção de fundamento legal, reafirma que a legalidade tributária não admite flexibilizações e que a eficiência arrecadatória não pode se sobrepor às garantias do contribuinte.
Para as empresas que enfrentam execuções fiscais com erros na cobrança, abre-se agora uma oportunidade estratégica de defesa, baseada na nulidade do título executivo e na decadência do direito de lançar novamente o tributo.
Em tempos de crescente litigiosidade tributária, essa decisão representa um marco em favor do devido processo legal e da segurança jurídica.
SHIBATA ADVOGADOS se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos a respeito do tema.