No julgamento do Tema Repetitivo nº 1.273, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento vinculante no sentido de que não se aplica o prazo decadencial de 120 dias previsto no art. 23 da Lei 12.016/2009 quando o mandado de segurança é utilizado para impugnar lei ou ato normativo que interfira em obrigações tributárias sucessivas ou periódicas.
A tese fixada tem profundas repercussões práticas, especialmente diante da Lei Complementar nº 214/2025, que instituiu os novos tributos CBS e IBS, pilares da Reforma Tributária sobre o consumo.
A partir desse precedente, o contribuinte passa a contar com uma proteção permanente frente à aplicação indevida de normas que impactem tributos de apuração contínua, podendo buscar o Judiciário sem se preocupar com o prazo de 120 dias.
O CASO CONCRETO: ICMS SOBRE ENERGIA ELÉTRICA E O CARÁTER SUCESSIVO DA OBRIGAÇÃO
O Recurso Especial paradigmático (REsp 2.103.305/MG) discutia a majoração da alíquota do ICMS sobre energia elétrica de 18% para 25% pelo Estado de Minas Gerais.
O contribuinte havia impetrado Mandado de Segurança para afastar a aplicação da norma estadual sob o argumento de violação ao princípio da essencialidade, previsto no art. 155, §2º, III, da Constituição.
A Fazenda Estadual sustentava que o contribuinte havia perdido o prazo de 120 dias para impetrar o Mandado de Segurança, contudo, o ministro Paulo Sérgio Domingues, relator do recurso, rejeitou a tese fazendária e afirmou que a relação tributária é de trato sucessivo, pois a cada fato gerador (conta de energia) sucede outro iminente, configurando ameaça atual, objetiva e permanente de lesão ao direito do contribuinte.
Assim, o STJ concluiu que o prazo decadencial não incide, pois o Mandado de Segurança, nesses casos, possui caráter preventivo e está amparado pelo “justo receio” de aplicação contínua de uma norma inconstitucional.
A TESE FIXADA PELO STJ (TEMA 1.273)
A Primeira Seção, por unanimidade, fixou a seguinte tese com eficácia vinculante:
“O prazo decadencial do art. 23 da Lei 12.016/2009 não se aplica ao mandado de segurança cuja causa de pedir seja a impugnação de lei ou ato normativo que interfira em obrigações tributárias sucessivas, dado o caráter preventivo da impetração decorrente da ameaça atual, objetiva e permanente de aplicação da norma impugnada.”
Esse entendimento, agora de observância obrigatória por todos os tribunais, reforça a função garantista e protetiva do Mandado de Segurança, ao assegurar que o contribuinte não perca o direito de questionar normas que o afetam de forma continuada.
FUNDAMENTOS JURÍDICOS: JUSTO RECEIO E CARÁTER PREVENTIVO
O voto do ministro Paulo Sérgio Domingues destaca que o “justo receio” é a base do Mandado de Segurança preventivo, previsto no art. 1º da Lei 12.016/2009. Nas obrigações periódicas, a ameaça de lesão é constante, e não limitada a um ato único.
Além disso, o relator fundamenta sua posição no art. 113, §1º, do Código Tributário Nacional, segundo o qual a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador e não com a mera edição da lei.
Portanto, enquanto houver novos fatos geradores — como receitas, prestações de serviços ou consumo de bens —, há novas obrigações e novas ameaças, afastando a decadência.
REPERCUSSÕES PRÁTICAS: A CBS E O IBS DA REFORMA TRIBUTÁRIA
O impacto dessa decisão é diretamente relevante para o novo sistema de tributação sobre o consumo instituído pela Lei Complementar nº 214/2025, que criou a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Esses tributos possuem natureza periódica e sucessiva, apurados mensalmente sobre a receita e o consumo. Assim, qualquer contribuinte que pretenda questionar os pontos abaixo poderá impetrar mandado de segurança preventivo a qualquer tempo, sem receio de que o prazo de 120 dias obste o direito de ação:
- A legalidade e constitucionalidade de dispositivos da LC 214/2025;
- o enquadramento de operações no regime não cumulativo;
- as regras de créditos ou alíquotas; ou
- o impacto de normas complementares (ex.: split payment, regimes específicos etc.),
Em outras palavras, não existe decadência enquanto a obrigação tributária se renovar, o que é exatamente o caso da CBS e da IBS.
CONCLUSÃO
A decisão do STJ no Tema 1.273 representa uma importante decisão para o contencioso judicial tributário.
Ao reconhecer que obrigações tributárias periódicas não se sujeitam ao prazo decadencial de 120 dias para o Mandado de Segurança, a Corte garante estabilidade e segurança jurídica aos contribuintes que pretendem exercer o controle de legalidade e constitucionalidade de normas fiscais.
No contexto da Reforma Tributária, essa orientação consolida um instrumento essencial de defesa preventiva contra eventuais excessos normativos da CBS e do IBS, preservando o direito fundamental de acesso ao Judiciário e a proteção contínua do contribuinte frente ao poder tributante.
O SHIBATA ADVOGADOS se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos a respeito do tema.